O desafio de pautar na comunicação as razões de viver d

De um modo geral, há três formas como os jovens são abordados nos veículos de comunicação no Brasil: a) O jovem como problema, freqüentemente representado nos editoriais e colunas policiais. São inúmeras as notícias diárias que vemos nos telejornais e jornais brasileiros que colocam os jovens como “deliqüentes”, como promotores da “desordem social”, de “distúrbios” e “violentos”, etc; b) o jovem classe média, retratado nas telenovelas e, sobretudo, na novela teen “Malhação”; este idealizado e pasteurizado pelo discurso da ficção; c) O jovem retratado na publicidade como símbolo de beleza, de onde vários ramos do capitalismo – indústria da moda, academias, eletroeletrônicos – sugam os valores para gerar, na sociedade como um todo, necessidades supérfluas e uma busca desenfreada por este ideário de juventude eterna.

Se olharmos para os indicadores sociais do Brasil, principalmente os que colocam os jovens como as maiores vítimas do desemprego e da perversa distribuição de renda, há, do ponto de vista econômico, uma contradição profunda que tem gerado uma patologia social. Ao mesmo tempo que esta sociedade, por seus meios de comunicação, estimula ininterruptamente a busca do consumo que se constrói em cima do ideal de eterna juventude, ela nega aos jovens e às pessoas a possibilidade de realizar este desejo. Os jovens empobrecidos não podem consumir os produtos veiculados na publicidade e, em razão disso, são excluídos de determinados grupos sociais que se identificam a partir de determinados estilos de consumo e forma de se vestir.

Mas a questão do consumo é apenas uma das facetas da forma como está organizada a sociedade brasileira que precisa ser revista. O que se coloca, com a discussão que o Dia Nacional da Juventude 2008 quer promover: Juventude e Comunicação, é como a “idéia” de juventude brasileira é construída na esfera da comunicação, o que, segundo o filósofo francês Pierre Bourdier, é denominado de um campo simbólico. Podemos afirmar que, em razão disto, a visão que a sociedade vai construindo sobre a juventude é, em grande medida, modulada pela forma como a juventude é representada na TV, nos jornais, no rádio e na Internet.

Por quê a Pastoral da Juventude do Brasil elege o lema: “queremos pautar as razões do nosso viver”? Me atrevo a refletir que é exatamente porque a PJB tem a percepção de que a juventude retratada nos meios de comunicação social, sobretudo num país tão diverso como o nosso, no qual alguns pesquisadores até já cunharam o termo “juventudes”, não corresponde à juventude concreta e real, do mundo da vida. Sobretudo dos jovens empobrecidos e excluídos.

Por que as diferentes iniciativas que a juventude brasileira desenvolve pelo Brasil que são portadoras de novos valores e boas notícias não encontram eco nos meios de comunicação brasileiro. Por quê as razões deste viver são distorcidas e significadas contraditoriamente nas páginas dos jornais, nas telenovelas e Internet? Há um debate, que se insere no campo ideológico, que nos diz sobre os interesses de quem detém o poder da comunicação no Brasil. Em nosso país, atualmente, apenas 12 grupos familiares dominam mais de 90% de tudo que a população consome em termos de comunicação.

A quem interessa, por exemplo, retratar o jovem como violento? Qual a relação disto com a redução da idade penal? Estas são questões para as quais a Pastoral da Juventude do Brasil e todos os grupos que se preocupam com os jovens precisam olhar com carinho.

Esta reflexão está intimamente ligada aos debates de que há pelo menos um século se ocupa a teoria da comunicação, o debate em torno do “poder” que têm os veículos de comunicação. Por muito tempo foi hegemônica a idéia da mídia poderosa e onipontente, como definidora da realidade, da agenda e de comportamentos, o que ficou conhecido como Sociologia dos Emissores. Este paradigma marcou os primeiros estudos em comunicação e seus efeitos sobre os indivíduos.

A idéia de que os meios de comunicação social não são os únicos agentes modeladores e transformadores do conhecimento social e referência simbólica da sociedade começou a ser relativizada na década de 70. Isso abriu espaço, por exemplo, para os Estudos Culturais e os Estudos de Recepção, mudando o eixo de reflexões do “emissor” para o “receptor”.Há no campo da teoria comunicação a “Teoria Construcionismo” que introduz um novo paradigma na pesquisa sobre o jornalismo com a noção de que a notícia é resultado de um processo de construção social, resultante de um processo de interações pessoais, sociais, culturais e ideológicos.

Nesta perspectiva, insere-se a teoria dos “definidores primários e secundários” que advoga que a mídia e os jornalistas não são freqüentemente os definidores primários, mas a sua relação estrutural com o poder tem o efeito de os fazer representar não um papel crucial, mas secundário, ao reproduzir as definições daqueles que têm acesso privilegiado às informações. O poder dos jornalistas é relativizado com a idéia de que não criam autonomamente as notícias, mas dependem de assuntos específicos fornecidos por fontes institucionais e credíveis.

A Teoria do Agendamento, mesmo após o balanço de 25 anos de seu surgimento, aponta que a agenda jornalística ficou “imune” às mudanças da agenda pública. Investigações novas sobre agendamento sugerem que os meios não só dizem sobre o que é que se deve pensar, como também dizem como pensar sobre isso.

Os estudos recentes afirmam que, tanto a seleção das ocorrências e/ou das questões que constituirão a agenda, como a seleção de enquadramentos para interpretar essas ocorrências e/ou questões, são poderes importantes que a Teoria do Agendamento agora identifica depois de mais de 20 anos de existência. A inversão do paradigma está na redescoberta do poder do jornalismo e no retorno da idéia da mídia poderosa e onipontente.

Para pautar as razões de seu viver é necessário que a juventude se organize e estabeleça uma relação diferenciada com os produtores de comunicação do país (jornalistas, roteiristas, editores) na linha de não apenas dar visibilidade e divulgar suas inúmeras experiências, mas também de ajudar a mudar a visão de mundo que estes têm sobre a aqueles. Em muitos casos, os jornalistas retratam a juventude erroneamente por pura falta de conhecimento e formação.

É o caso, por exemplo, de usar o termo “menor” em vez de “adolescentes”. Foi necessário, que por muito tempo, a Agência Nacional de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) desenvolvesse um processo de formação dos jornalistas para que compreendessem que o termo “menor” era um termo ligado a uma doutrina conservadora e ultrapassada, expressa no Código do Menor, do tempo da Ditadura, superado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Estudos recentes apontam as fontes como promotoras de acontecimentos e afirmam que elas desenvolveram um aprendizado que as tiraram da condição passiva para uma relação pró-ativa na produção de informações e na relação com os jornalistas. Como defende a autora Noelle Neumann, as fontes têm papel decisivo na canalização das notícias e podem operar, na verdade, uma pré-canalização não só temática mas de enfoque dos temas. Pode-se afirmar que as fontes, quando se organizam e têm um certo grau de institucionalidade sobre os assuntos, conseguem dar visibilidade a temas deconhecidos no reduzido espectro de temas abordados no jornalismo impresso.

Determinados temas, apesar de serem considerados de interesse público, só alcançarão às páginas dos jornais em razão da ação estratégica de grupos sociais. Quando organizadas e competentes, as fontes é que dão as regras do jogo, oferecendo aos jornalistas dados e informações que, julgam, são mais adequados para construir as matérias. É isso que a juventude também tem que aprender em relação à mídia: sair de uma postura passiva para uma postura pró-ativa. Isso exige:

Pensar ação estratégica nacional e descentralizada por meio de planos de ação locais encabeçados por ONGs e apoio de parcerias;

Atuar junto e organizar a experiência e legitimidade de órgãos que já institucionalizaram o tema da juventude no Brasil;

Ação ramificada e capilarizada em uma rede temática de juventude;

Atuação junto aos produtores de comunicação e jornalistas, sobretudo àqueles que cobrem a pauta do juventude nos veículos;

Construção de agendas de ação locais e nacional para manter o tema permanentemente na agenda jornalística;

Produção de conhecimento: pesquisas quali-quantitativas, pautas, guias de fontes, clipping, etc;

Seminários de capacitação e oficinas de Análise da Cobertura com diferentes atores: jornalistas, lideranças sociais, jovens, órgãos governamentais e não governamentais

Ao mesmo tempo, é necessário integrar e fortalecer as lutas dos coletivos que trabalham para “uma que outra comunicação” aconteça no Brasil. São eles:

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social – www.intervozes.org.br – Trabalha a comunicação com um direito; organiza o “Observatório do direito à comunicação”, que pode ser acessado em: www.direitoacomunicação.org.br.
Fórum Nacional pela Democatrização das Comunicações – www.fndc.org.br Fórum congrega entidades da sociedade civil para enfrentar os problemas da área das comunicações no País.
Fóruns de Mídia Livre – Centenas de comunicadores alternativos, ativistas midiáticos, professores e estudantes de vários estados brasileiros reuniram-se no Rio de Janeiro, no fim de semana dos dias 14 e 15 de junho, para a realização do 1º Fórum Mídia Livre.
Mídia Independente – O CMI Brasil é uma rede de produtores independentes de mídia que busca oferecer ao público informação alternativa e crítica de qualidade que contribua para a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente. www.midiaindependente.org.br.
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – www.abraconacional.hpg.ig.com.br – A ABRAÇO trabalha na democratização e na luta pelas rádios comunitárias do Brasil.
Outras iniciativas: Brasil de Fato, Caros Amigos, Le Monde Diplomatique Brasileiro, Viração, entre outras e inúmeras iniciativas populares…

Um campo fértil de trabalho onde a Pastoral da Juventude e seus grupos podem atuar é no campo da educação para leitura e recepção crítica dos meios de comunicação social, propondo estudos e aprofundamentos sobre quem domina a comunicação no Brasil; como funciona a produção de conteúdos; que mensagens, valores e ideologia veiculam em seus produtos; como abordam os grupos sociais marginalizados em novelas e publicidade: negros, mulheres, gays, pobres, periferias…; como é a construção das notícias; como fazer a recepção crítica destes conteúdos.

A juventude, como Dom Hélder, um dos grandes inspiradores do DNJ deste ano, tem mil razões para viver. Mas não pode deixar, de maneira alguma, que toda essa potencialidade seja reduzida, banalizada e distorcida ideologicamente pelos poucos grupos que detém o poder da comunicação no Brasil.

Willian Bonfim
Foi militante da Pastoral da Juventude, no Centro-Oeste, de 1989 a 2000, assessor da Área de Metodologia e setor de pesquisa da Casa da Juventude Pe. Burnier. É formado em jornalismo (UFG) e mestre em comunicação social (UNB). Atualmente é assessor do Setor de Mobilização Social da Presidência da República

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