Fostes chamados (as) para a liberdade

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Fostes chamados (as) para a liberdade.

Rocélio Silva Alves.¹

O tempo comum é caracterizado pela contínua presença de Jesus no meio da comunidade. Jesus em sua vida pública, seja com a multidão que o procura desejosa de alcançar algum tipo de benefício (curas, saciedades físicas), seja com o grupo dos amigos e amigas (discípulos e apóstolos) que formam um núcleo mais íntimo e propício para uma experiência personalizada de partilhas e aprendizagens sempre mostra-se atento aos apelos de tantos corações angustiados, aflitos. Nestas duas situações de grupos (macro e micro), faz-se necessário dar um passo importante e reflexivo na caminhada de fé. Passo este, imprescindível para a formação destas duas experiências que trata unicamente do seguimento.

Nos últimos domingos, os textos litúrgicos nos levam a pensar nesta proposta de seguimento; suas “vantagens” e “desvantagens”; principalmente se analisarmos de modo anacrônico, afinal toda e qualquer leitura será feita a partir de nossos parâmetros atuais, pois não há como fugir deles. Entretanto, podemos nos perguntar: qual a vantagem de seguir este Jesus? O que posso ganhar? Primeiramente, se nossa pergunta motivacional for esta tenhamos a certeza de que estaremos enquadrados no primeiro grupo, o macro, pois este estava marcado justamente, pela saciedade imediata, seja a fome, a sede ou a algum tipo de cura (espiritual ou física). O grupo macro é marcado pelo interesse pessoal, pela ruptura da dor que de alguma forma culmina com o prazer; já o segundo grupo, o micro, é marcado pela partilha, intimidade, crise de fé, reconhecimento, testemunho e principalmente seguimento.

Na primeira leitura desse domingo (Livro dos Reis 19,16b. 19-21) vemos o seguimento de Eliseu para o profeta Elias. Elias faz o chamado (lançou sobre ele seu manto. v.19) Em seguida, Eliseu deixa sua tarefa e vai atrás do profeta. Percebamos que este “ir atrás” já sinaliza adesão ao chamado, no entanto, ele só quer se despedir de sua família, beija-los e partir. Este seguimento é diretamente voltado para o serviço, uma vez que Eliseu vai para servir o profeta Elias. Neste sentido, podemos pensar que uma das características do seguimento é justamente este, do serviço, da disponibilidade e prontidão para as necessidades daqueles e daquelas que estão em nossa volta.

Na segunda leitura Paulo escreve aos Gálatas como forma de reivindicar e recordar à comunidade qual o real motivo do chamado de Cristo, embora no primeiro momento parece ser óbvia a fala de Paulo. Trata-se de uma fala provocadora e reflexiva, quando ele diz: “É para a liberdade que Cristo nos libertou. v.1” Por que dizer algo tão claro à comunidade? O que acontecia na comunidade para ser necessária esta afirmação? Paulo adverte a comunidade que em Cristo somos livres, justamente porque fomos chamados a experimentar a liberdade. Mas qual liberdade? Há qual liberdade você foi chamado (a)? Há uma liberdade inconsequente? Efêmera? Focada unicamente no prazer? E quanto ao amor, onde fica? Lembremos que esta liberdade consiste unicamente no amor. Mas, o que é o amor? Palavra tão comum em nossos tempos. Será que amamos demais, por isso, repetidas vezes usamo-la? Ou será que a perda de sentido afetou justamente esta possibilidade de um amor livre, gratuito e vital? Ser livre é ter coragem e ousadia para seguir a proposta de Jesus, que contraditoriamente é uma proposta que incomoda e desestabiliza.

Lembremos-nos do domingo passado quando o versículo chave do evangelho era justamente o “renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me.” (Lc 9,24). É, parece que não é fácil, e de fato, não o é. Entretanto, este seguimento nos provoca a todos os dias avaliarmos a quem realmente estamos seguindo: as instituições (Igreja, partidos políticos, grêmios), ao coordenador do grupo, ao meu colega. Por quem você é capaz de renunciar a si mesmo? Por que causa você é capaz de deixar tudo e simplesmente, seguir.

No evangelho (Lc 9,51-62) temos três experiências de seguimento. A primeira v.57 alguém na estrada disse a Jesus: ‘Eu te seguirei para onde quer que fores’. Quantos jovens abraçam a causa sem literalmente olhar pra trás, por que chegam possuídos pela empolgação. Nestes casos devemos ser realistas e cautelosos ao modo de Jesus: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça’ v.57. Mostrar que a proposta não é tão confortável quanto parece, sendo que esta fala não deverá ser desmotivadora e sim fraterna e acolhedora, justamente para que o jovem ou a jovem não se decepcione posteriormente e se sinta lesado/a ou até mesmo traído/a. Por isso, que, para os “empolgados” um toque de realidade não fará mal algum, só ajudará a equilibrar as motivações de seu seguimento. O segundo chamado já é feito diretamente por Jesus: “Segui-me”! Este respondeu: ‘Deixa-me primeiro ir enterrar meu pai’ e Jesus respondeu: ‘Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus.’ v.60. Este enterrar não se trata de um enterrar literal, mas sim pensar nas pessoas que se fecharam à Boa Nova de modo que seu mundo se reduziu ao que lhe propicia prazer e comodidade. Estes já estou mortos, pois não têm a coragem de sair de si e ir ao encontro do outro. E o terceiro momento de seguimento: ‘Eu te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos meus familiares.’ Jesus porém respondeu-lhe: ‘Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus.’ vv. 61-62. Ou seja, o seguimento a Jesus implica liberdade e desapego, não somente ao material, mas aos afetos desordenados que nos impedem de crescer.

Que nesta semana possamos pedir a graça do seguimento real ao Senhor e que sejamos livres para melhor testemunhá-lo no amor e na partilha.

 

[1] Rocélio Silva Alves, Padre diocesano (Tianguá-Ce); Bacharel em Filosofia e Teologia; Especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo; Atualmente residente em Belo Horizonte, onde cursa o mestrado em Filosofia da Religião, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Colaborou com a assessoria da PJ no Regional Nordeste I no Ceará.

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