A PJ ANTENADA COM A “DIREÇÃO DOS VENTOS” DOS DIREITOS DAS JUVENTUDES

 A PJ ANTENADA COM A “DIREÇÃO DOS VENTOS” DOS DIREITOS DAS JUVENTUDES

#SerTãoPJ Ciclos“Quando vocês veem uma nuvem levantar-se do poente, logo dizem: vem a chuva! E assim sucede. E quando sopra o vento sul, vocês dizem: ‘Vai fazer muito calor’; e assim acontece. Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu; como é que não sabeis reconhecer o tempo presente?” (cf. Lc 12, 54-56)

 

 

Olhando para a história da Pastoral da Juventude, percebe-se um movimento de acompanhar “a direção da nuvem” das juventudes.

 

Primeiro momento (anos 70/80): DIREITOS CIVIS e GARANTIAS INDIVIDUAIS E POLÍTICAS

Quando surgem, nos idos de 1973, os primeiros grupos de jovens católicos refletindo sobre a realidade político-social daquele momento, vivíamos os “anos de chumbo” da ditadura, a vigência do AI-5 (censura, torturas, clandestinidade da política, proibição do direito à reunião, etc.). Aos poucos, tais grupos foram se articulando até aparecer o “corpo” de uma pastoral orgânica, protagonizada por jovens e orientada por assessores/as. Estes grupos se identificavam, ainda que não explicitamente, com a experiência da ação católica especializada (Juventude agraria católica, estudantil, rural, etc..) que tinha perdido sua força (ou foram para a “clandestinidade eclesial” e social) no início dos anos 60, com o advento da Ditadura Militar.

Com uma organização pastoral que nasce preocupada com a situação sócio-política do país, imbuída do espírito da Conferência de Medellín, espécie de “tradução” das decisões do Concílio Vaticano II para a realidade da América Latina, e fortemente influenciada pela Teologia da Libertação, foi natural que os grupos se traduzissem num espaço de reflexão, quase um oásis no deserto d participação política (sem contar a clandestinidade, por óbvio) que se vivia.

Os direitos reivindicados naquele momento, entre outros, eram: liberdade de expressão, de reunião, de participação política. Ou seja, os direitos civis básicos. Aquilo que, teoricamente, chamamos de “primeira geração de direitos humanos”[1]. Essa foi, provavelmente (ajudem-nos, militantes e assessores da época) uma das marcas da Pastoral da Juventude em seu início: Jovens cristãos católicos falando de política, de realidade social, em plena vigência da ditadura civil-militar, e de um estado de exceção e de censura…

Havia muita gente a inspirar a atividade desses grupos: Dom Helder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns, denunciando profeticamente os ataques aos direitos humanos (torturas, desaparecimentos e perseguições políticas), e gente (como os dominicanos Frei Betto e Frei Tito), mostrando as marcas da tortura e martírio, deles e de tantos e tantas militantes cristãos/ãs. Sem falar no movimento estudantil, que com suas lideranças jovens, sofreu perseguições e forte repressão pelos agentes da ditadura.

Podemos dizer assim que, o simples fato de existirem, naquele momento, enquanto grupos juvenis que discutiam a necessária articulação entre fé e política, fé e compromisso social, apesar de toda repressão que ocorria na sociedade, já lhes conferia uma bandeira: a superação da ditadura, a luta por direitos civis mencionados acima, a vivencia de plena cidadania, com as liberdades civis e políticas de uma forma geral, e especificamente o engajamento em sindicatos, associações de trabalhadores, movimento contra a carestia, pelo direito dos trabalhadores, entre outros.

Mas, é importante lembrar, que tudo isso se deu, baixo um processo de intensa formação de base, acompanhando e dando a cara jovem a uma igreja que contribuía, com os lideres acima citados, para o fim do regime militar, para a anistia dos presos políticos, a abertura política e o estímulo à participação política, etc.

Meu primeiro curso de formação na pastoral da juventude ocorreu no final desse período – 1988, já superada a ditadura, momento de reorganização da democracia, e foi uma grande surpresa para mim o discurso dos assessores, “pregando” vivamente que nos envolvêssemos nas discussões sobre a constituinte, nos comitês de discussão que se formavam a partir da igreja, e também estimulando a participação em partidos políticos e sindicatos. Ou seja, plena vivência do direito à participação, liberdade de expressão, positivação (ou seja, pretensão de que tudo isso fosse inscrito na constituição) e afirmação dos direitos e garantias individuais e políticas.

 

Segundo momento (final dos anos 80 até meados dos anos 90): PROTAGONISTAS DOS DIREITOS POLÍTICOS

Após a reconquista dos direitos civis e políticos, com a promulgação da Constituição de 1988,  a pastoral da juventude dos anos que se seguiram (década de 90) passou por momentos de engrossar os movimentos de rua (“Fora Collor”), e de estímulo para a efetiva participação de jovens nos processos políticos, não como coadjuvantes, mas também como protagonistas: a campanha de estímulo do voto aos 16 anos, a filiação em partidos políticos visando candidaturas nas eleições para todos os cargos, em todos os níveis, mas principalmente para as câmaras legislativas, etc.

Lembro que, participante da coordenação nacional da pj pelos anos 1995 e 1996,  falávamos num mapeamento dos militantes que tinham sidos candidatos nas eleições daqueles anos. O lema do DNJ de 1996: “Eu quero ver o novo no poder”, estimulava as candidaturas juvenis. Em 1998, também eu assumi uma candidatura a deputado estadual, motivado e amparado, durante a campanha, pelos militantes da pastoral da juventude do regional sul 1.

 

Terceiro momento (final dos anos 90, boa parte dos anos 2000): DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS – POLÍTICAS PÚBLICAS

Desde os anos 80, é bem verdade, temas como trabalho, desemprego, educação, saúde, acesso à terra, etc, já vinham sendo intensamente discutidos na pastoral da juventude, seja nos subsídios de formação, seja como temas de seminários nacionais, e DNJs. Mas, no final dos anos 90, já contando com alguns militantes eleitos para cargos políticos, uma expressão começou a dominar as conversas da pastoral da juventude: POLÍTICAS PÚBLICAS. Ou seja, a percepção de que os direitos sociais, econômicos e políticos, já garantidos na Constituição Federal, careciam ainda de serem implementados como “políticas”: medidas governamentais para concretizar o acesso dos jovens a tais direitos.  E tal temática, das políticas públicas, passou a pautar as conversas, os seminários, os subsídios e os DNJs, durante mais de uma década. Houve na região da grande São Paulo e litoral, inclusive, um grande Congresso da Pastoral da Juventude com esse tema.

Muitos pesquisadores que estudam a realidade das juventudes brasileiras, reconhecem que a pastoral da juventude foi uma, se não a primeira organização a pautar, com a própria juventude, essa temática.

Passou-se, então, a partir da primeira metade da década de 2000, a ser estimulada a participação dos militantes da pj nos vários conselhos governamentais de juventude, responsáveis pela implementação das políticas públicas nas três esferas de governo: conselhos municipais, conselhos legislativos, secretarias municipais ou estaduais de juventude, e inclusive o Conselho Nacional de Juventude, que teve, desde sua primeira formação, representantes da pastoral da juventude., inclusive assumindo a presidência do conselho num período inicial.

Há que se levantar a quantidade de políticas pensadas e elaboradas por jovens protagonistas desses processos, durante todos esses anos, em todas as esferas de governo.  E a contribuição da pastoral da juventude nesse processo foi fundamental, reconhecidamente impactante.

 

Quarto momento (meados dos 2000, ao início dos 2010): DIREITO À VIDA

No meio desse processo, porém, uma situação impactou fortemente a caminhada da PJ: a constatação, a partir da vivencia nas comunidades e de relatórios de pesquisas sociais, de que estava em curso o extermínio de jovens nas periferias das cidades e no campo, principalmente da juventude negra. Índices alarmantes de homicídios de jovens, principalmente por forças estatais (policias e outros), levaram a Pastoral da Juventude a encampar uma campanha nacional contra o extermínio das juventudes.

A Campanha mobilizou muita gente, as pastorais da juventude, pastorais sociais, entidades governamentais. Teve razoável visibilidade social, e marcou a PJ como uma das defensoras da vida, integridade física e da liberdade da juventude em nosso país.

Paralelamente, ocorriam propostas de criminalização e encarceramento em massa da juventude, e projetos de lei que previam a redução da maioridade penal. Também esse aspecto foi incorporado à campanha contra o extermínio. A mão vermelha, gritando “basta de extermínio”, moveu corações e mentes de militantes da PJ, atingindo muitos espaços e organizações da sociedade, inclusive governamentais, e até, “de raspão”, da grande mídia.

A Campanha foi “encerrada oficialmente” em 2015, mas a temática e a luta continuam.

 

RUMO A NOVOS E ANTIGOS HORIZONTES[2]

Como vimos, a pastoral da juventude foi seguindo o caminho do vento que movia as nuvens da juventude e da sociedade: esteve antenada e colaborou na luta pelos DIREITOS CIVIS (décadas 70 e 80), DIREITOS SOCIAIS (década de 90 e início dos anos 2000), DIREITO À VIDA DAS JUVENTUDES (anos 2005 a 2014). Agora, diante do atual momento em que vivemos no país, em que boa parte dos direitos conquistados (uns mais efetivamente, outros ainda só teoricamente e na letra da lei), sendo desconsiderados, e um retrocesso enorme nas políticas de educação e trabalho, novas formas de luta e demandas da juventude brasileira vão surgindo. A juventude do Movimento passe livre foi a grande protagonista, em seu início, das chamadas “jornadas de junho de 2013”. Em 2015, jovens estudantes secundaristas ocuparam suas escolas, contra a reorganização escolar e privatização do ensino, que estavam sendo impostos pelos governos. E nas redes sociais, a cyberativismo político ganha grande adesão (de grupos das mais variadas vertentes ideológicas de esquerda e direita), numa interface entre a militância nas redes, e nas ruas.

O direto à manifestação e liberdade de expressão voltam a ser reprimidos, quando as polícias e o exército reprimem com violência (“tiro, porrada e bomba”) as manifestações juvenis e estudantis; os direitos sociais conquistados estão todos em cheque, em risco (vide o fim ou esvaziamento dos programas na área da educação, a pretensa reforma do ensino médio, o projeto “escola sem partido”, o desemprego batendo de novo à porta) e o direito à vida sofrendo profundos golpes, com o acirramento do processo de extermínio dos jovens…

E a PJ? Como analisa e se insere nas “nuvens”/demandas da juventude, atualmente? Como se inserirá nesses novos processos sociais? Quais direitos deverão ser, agora, prioritariamente, objetos de seus estudos, formação e ação?

A história pode nos inspirar. Nos parece que direitos demandados no início da história da pj, voltam a ser prementes (direitos à livre manifestação, ao engajamento político). A formação de base a que se dedicaram os primeiros grupos, e que levou tantos e tantas a um engajamento qualificado nas organizações da sociedade, nos indicam talvez um caminho: como garantir uma nova investida nessa formação de base (não estamos sugerindo que atualmente não há, mas a possibilidade de uma nova forte investida), para que cada pejoteira e pejoteiro seja agente qualificado para protagonizar, num futuro próximo, o novo momento político que se desenha, e não apenas um coadjuvante, mas protagonista empoderado e bem formado-informado?

Voltar à formação de base em fé e política, com força total, e ao mesmo tempo OCUPANDO (expressão muito significativa das novas formas de manifestação juvenil) todos os espaços da sociedade, em parcerias com movimentos e coletivos juvenis, seria um dos caminhos?

Formação de base, mas também o velho e bom método de “formação na ação”, ou “ação-formação-ação”? E, se quisermos ir além ainda mais: como problematizar, atualizar nossos métodos de formação, para encontrar ressonância nas novas configurações e modos de agir das atuais organizações juvenis? E o cyberativismo? Como s redes sociais impactam o chamado “processo de formação integral da pastoral da juventude”, e suas alinhas de ação?

Assumir uma, ou algumas das bandeiras que hoje emergem, seria outro caminho? (Por exemplo: “não ao retrocesso na educação”, ou contra a política de encarceramento em amassa da juventude, ou retomando a campanha contra o extermínio da juventude? Ou tudo isso junto, mas numa perspectiva de formação integral?).

Por outro lado, não se partirá do “nada”.

Cremos que as ricas experiências de engajamento e lutas sociais vivenciadas por uma geração inteira de jovens pejoteiras e pejoteiros, passando por cada um dos momentos históricos que reclamavam direitos específicos para cada época e conjuntura político/social, poderão (deverão?) ser substrato qualificado para os materiais de formação de base, avaliando-se o que valeu, onde se acertou, onde se errou, etc., tendo o projeto de Reino no horizonte, lembrando-se sempre do cuidado com a pessoa do militante, a mística que nos identifica, os afetos que nos movem, o caminho para a maturidade cristã e cidadã (projeto de vida), enfim, tudo o que caracteriza e fomenta o ser e agir da pastoral da juventude do Brasil.

AVANTE!

[1] No final, “grudei” um esquema acerca dessas gerações dos direitos humanos.

[2] As “divagações” propositivas a partir daqui, apesar de um esforço em sentido contrário, podem sofrer de um problema identificado como “síndrome de ex-militante saudosista”.  Cuidado!

Abaixo, um quadrinho sinótico do processo histórico descrito acima:

Época Luta por Ação da pj
Anos 70-80 Direitos civis/garantias individuais e políticas Forte formação de base (fé e política) e engajamento social
Fim dos 80/anos90 Direitos políticos Engajamento partidário, candidaturas, processos eleitorais
Fim dos 90/Anos 2000 Direitos sociais e Políticas públicas Políticas públicas de/para/com juventude
Meados de 2000/ meados de 2010 Direito à vida Campanha contra o extermínio e contra a redução da maioridade penal
Hoje/futuro Retrocessos: direitos civis e sociais, acirramento do extermínio/encarceramento E daqui em diante?????? formação de base? Lutas e bandeiras prioritárias? Quais as demandas que as reivindicam?

 

E uma síntese sobre as gerações dos direitos Humanos:

Ciclos

Fonte: Resumão Jurídico 48: Direitos Humanos. Editora Barros Fischer & Associados. Autores: Antonio Carlos Malheiros, Márcio Gomes Camacho e André Luciano Barbosa

 

Com carinho, esperança e muitas dúvidas, 

Márcio Camacho, Instituto Paulista de Juventude – São Paulo/SP

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