Quem é o meu próximo?

 Quem é o meu próximo?

Luz-Caminhada

A pergunta que sempre volta: “quem é o meu próximo?”

15º Domingo do Tempo Comum

Primeira Leitura (Dt 30,10-14)
Salmo 33
Segunda Leitura (Cl 1,15-20)
Evangelho (Lc 10,25-37)

Joilson de Souza Toledo, FMS.¹

Neste domingo o conjunto das leituras da liturgia nos apresenta luzes interessantes para entender e viver o discipulado. Continuamos nosso percurso pelo Evangelho de Lucas, e o evangelista nos apresenta um episódio dentro de uma grande caminhada que Jesus faz (Lc 9,51-19,27). No Evangelho temos um mestre da lei tentando provocar Jesus. Era comum no tempo de Jesus os discípulos perguntarem ao mestre sobre o caminho para vivenciar a vontade de Deus. Os Mestres da Lei naquela época eram homens que sabiam ler e escrever. Passavam a vida estudando os livros sagrados e ensinando as pessoas o que estes diziam. Eram especialistas não só em ler, mas também em interpretar, já que os textos estavam em hebraico, língua usada para a oração; mas, o povo mesmo falava aramaico.

O Mestre da Lei não pergunta porque quer saber, mas, quer ver o que Jesus sabe, como ele pensa. Pergunta sobre como deve viver. O que fazer para receber a vida eterna, ou seja, como escolher… Que escolhas o colocariam em sintonia com a vontade de Deus. Por trás da pergunta há uma conclusão que desafiava o povo da época de Jesus e nós: existem escolhas que nos levam à plenitude, outras nos afastam de Deus. Como saber o que fazer? Jesus responde dizendo para ele voltar para os textos sagrados: lá há um caminho. Aí vem uma das luzes centrais dos textos para nós hoje. “Como lês?” (Lc 10,26), Jesus pergunta para ele. Há jeitos de ler a Bíblia que mais nos afastam de Deus do que aproximam. Não é toda forma de ler o texto que tá valendo!!! Mas não basta apenas ter o livro na mão ou todo decorado. Hoje somos desafiados a nos perguntar: Como lemos? De que jeito você lê a Bíblia? Ao ser questionado, Jesus dá uma resposta que se reporta a sagrada escritura.

Em Dt 6, 5 e Lv 94, 18 encontramos a base da resposta do Mestre da Lei. Jesus confirma que este é o caminho para viver. Então, o caminho é direto e prático: “quer a vida eterna? Ame”. Este diálogo nos reporta ao “Shemá Israel”,“Escuta Israel” (Dt 6,4). Escuta, presta atenção, Deus deve ser amado com o coração, a alma, as forças, ou seja, com suas decisões, com profundidade, e com suas possibilidades. Amar a Deus com tudo e reconhecer no outro um igual. “Como lês?” O nosso jeito de ler a Bíblia nos reporta ao amor? Ou nos faz intolerantes? É capaz de gerar e cuidar da vida ou só nos faz nos sentirmos melhores do que os outros? Esta maneira de ler os textos sagrados nos ajuda a construir caminhos para nos relacionarmos com Deus e as pessoas, ou nos faz membros de um grupo seleto de perfeitos e fiscais do que seria a perfeição? O mestre da lei era quem ensinava o povo; no entanto, pergunta a Jesus. Mas a pergunta não deveria ser feita para a própria Palavra? Aqui nos reportamos ao coração da mensagem da primeira leitura: “Sim, porque a palavra está muito perto de ti: está na tua boca e no teu coração, para que a ponhas em prática” (Dt 30,14). É interessante que a primeira leitura deste domingo sinaliza que a pergunta inicial era desnecessária. Como um bom entendedor ele deveria saber disso. A palavra não está longe. Então, age! Imagine como nós viveríamos se tivéssemos esta certeza de fé mais presente no cotidiano… A Palavra está perto… em tua boca, em teu coração… contempla, reconhece, acolhe, permita-se questionar e iluminar por ela…

O mestre se faz de desentendido e Jesus responde não com teorias, mas com uma situação que um morador da Palestina daquele tempo entenderia bem. Os cenários e personagens são conhecidos e emblemáticos.  Jesus convida a olhar uma situação cotidiana. Jerusalém e Jericó eram cidades a cerca de 25 Km de distância uma da outra. O caminho era uma descida de cerca de 1000 metros, numa região de deserto. O lugar era perigoso e a possibilidades de assalto, eminente. Já entre os três personagens que descem pela estrada além do acidentado, temos duas figuras reconhecidas como “gente próxima de Deus”, o sacerdote e o levita. Já o samaritano era visto como “gente mestiça, de fé duvidosa, que se deve evitar”. Samaritanos e Judeus não tinham bom relacionamento (Jo 4, 9; 8,48; Eclo 50,25-26; Lc 9,51-55) e esta inimizade durava séculos. Os samaritanos eram mal vistos. Um sacerdote e um levita passam a diante e pelo outro lado. Possivelmente vinham do serviço no templo e se achavam em “estado de graça”. Tocar numa pessoa ensanguentada seria se tornar impuro. Se ele já estivesse morto? (Lv 21,1; Nm 19,11-16). Os que entendem das coisas de Deus não se aproximam. Aí está uma provocação do evangelista.

“Chegou perto dele, viu, e sentiu compaixão” (Lc 10, 33). A chave para ver a realidade com compaixão é se aproximar. Só vê bem quem se aproxima. É da aproximação que se desencadeia uma série de ações. Do que você se aproxima? As realidades de dor lhe tocam?

Quem fez a vontade de Deus foi aquele que se acreditava não conhecer direito a Deus. Para tratar do homem agredido pelos assaltantes ele cuida com o que era costume em sua época. Antes de seguir seu caminho deixa dois denários. No tempo de Jesus essa moeda, o denário, era o salário de um dia de trabalho (Mt20,2). Era o básico. O que uma pessoa precisava para viver durante um dia. O ato de deixar dois denários pode significar que o enfermo teria tempo para se recuperar. Se gastar mais será pago o que for necessário. É a misericórdia, um tema tão querido para a comunidade lucana.

Estranho! O que aparece como próximo é o que era visto como distante. A comunidade de Lucas nos desafia a olhar como nos relacionamos com os diferentes e os preconceitos que trazermos. Nos desafia a repensar distâncias e proximidades reais e imaginárias.

Ao terminar a estória, Jesus bagunça tudo… inverte a pergunta. A questão fundamental não é quem é o meu próximo e sim de quem me faço próximo. “(…) qual dos três?” (Lc 10,36). Com qual dos três suas atitudes são mais parecidas? Quem te move e comove? Por quem você se move e comove, estes são seus próximos. Fora isso é papo bem intencionado, mas não amor. O amor cristão, o discipulado de Jesus, o caminho da vida eterna, se mostra nos atos e não nos discursos que fazemos. “Vai e faze a mesma coisa” (Lc 10,37). A provocação deste domingo é que ser discípulo de Jesus nos convida mais do que abraçar doutrinas e discursos. Mas chama a nos mover e comover em direção daqueles que estão à beira do caminho. O meu próximo é todo aquele que precisa de mim; mas, é de quem eu me aproximo que mostra se creio nisso mesmo ou não.

Em tempos onde a intolerância toma campo, até mesmo no coração de pessoas que se dizem cristãs, as leituras de hoje nos trazem luzes importantes: “em Cristo todos foram reconciliados” (Cl 1,20). Nele, “Imagem de Deus invisível” (Cl 1,15) você e eu aprendemos a olhar a realidade, a amar. O que implica nos aproximar, reconhecer e cuidar dos que foram atingidos por um sistema violento. Mas, nós que queremos seguir Jesus, ao confrontar nossa vida com o Evangelho, a pessoa e o projeto Dele, sempre volta a pergunta: “quem é o meu próximo?”

 

¹Irmão Marista, assessor da PJ na paróquia Nossa Senhora dos Navegantes, Barra do Jucu, Vila Velha/ES.

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