As mulheres no Sínodo da Amazônia

 As mulheres no Sínodo da Amazônia

Por Márcia Oliveira

Somos 38 mulheres participantes no Sínodo da Amazônia, religiosas, leigas, negras-quilombolas, indígenas, caboclas, representantes dos 09 países que compõem a Pan-Amazônia. Trouxemos nossa beleza, ternura, inteligência e racionalidade para lidar com temas que nos tocam desde o mais profundo de nossas realidades contextuais. Somos lideranças dos movimentos sociais, representantes de muitos povos e etnias, mães, jovens estudantes e cientistas.

É a primeira vez que um sínodo da igreja tem tantas mulheres participando de forma ativa e efetiva. Nossa participação ainda é bastante limitada, mas, temos consciência de que estamos abrindo caminhos para as gerações futuras.

Nossa presença aqui indica que mudanças importantes estão em curso e estamos participando ativamente destes processos. Conquistamos o direito à fala e a usamos com toda a poesia, ternura, racionalidade e objetividade. Produzimos textos e apresentamos para o debate temáticas que contribuem para denunciar tudo o que nos aniquila, humilha e viola na Amazônia.

Denunciamos a crescente violência doméstica, o assédio sexual e moral a que estamos submetidas em toda Pan-Amazônia. Questionamos as raízes do feminicídio, do tráfico humano e das migrações forçadas e as razões do silêncio e omissão por parte da sociedade no enfrentamento a estas mazelas que nos afetam mais diretamente.

Incomodamos e desestabilizamos muitos misóginos, machistas e racistas produzidos e reproduzidos pelo patriarcado que ainda insistem na religião como justificativa das desigualdades de gênero e a utilizam como mecanismo de controle e dominação das mulheres.

Os textos que elaboramos e apresentamos contribuem também para refletir e debater temas relacionados com a ecologia integral e o direito ao território como chão sagrado de onde brota nossa sobrevivência. Isso implica em tomadas de decisões em defesa do direito coletivo à terra e aos bens que ela produz. E explica a luta pela terra e a coragem de tantas mulheres, líderes populares, indígenas, camponesas e quilombolas, em sua militância a ponto de dar a própria vida em defesa da terra que não é propriedade privada e comercializável. Não é mercadoria. É território sagrado, casa comum, lugar que define identidades e a relação com o sagrado.

Compartilhamos as lições do cuidado da Casa Comum como gesto de amor e responsabilidade e não de medo. Trouxemos para o debate o papel importante ocupado pelas mulheres portadoras das práticas ancestrais capazes de garantir os princípios da Terra sem Males e recordamos insistentemente que em todo continente ameríndio as mulheres são as “guardiãs das sementes” que garantem a diversidade das espécies alimentares, especialmente dos cereais e dos tubérculos. São também as guardiãs dos lagos “santuários” que garantem segurança alimentar, vida e dignidade para suas comunidades.

Muitas recordam seu serviço na condução das inúmeras comunidades sob sua responsabilidade e acenam a possibilidade do diaconato feminino como uma forma de reconhecimento do papel que desempenham nesses mais de quinhentos anos da caminhada da igreja nessa região.

Incomodamos ao assegurar que as mulheres são portadoras das mudanças necessárias para se acompanhar, sempre com novo afinco, os processos políticos pelos quais passam as sociedades em qualquer parte do mundo assumindo importante protagonismo em todos os processos sociais, políticos e econômicos.

A Assembleia Sinodal reconhece o papel das mulheres na experiência da ecologia integral e admite que são elas que cuidam da vida e a defendem em todos os sentidos e dimensões assumindo uma ação dinâmica que caminha de acordo com o tempo e a história. São mulheres de luta em defesa dos territórios de vida e de pertencimento. Doam seu tempo, seus saberes e sua ciência para garantir mais vida e vida em abundância em toda Amazônia.

Por causa do seu comprometimento com os valores e princípios da ecologia integral, sofrem martírio, feminicídio e todo tipo de perseguição e preconceito, machismo e misoginia. Mas, isso não as intimida. Seguem firmes na luta por mais espaço e incidência nesta Assembleia Sinodal que ainda tem muito caminho pela frente, mas, já conta com marcas profundas neste evento de grande importância não somente para a Amazônia.

Por fim, uma coincidência feliz. Durante o Sínodo, será declarada santa a Irmã Dulce, uma mulher simples, corajosa e estrategista que dedicou sua vida aos pobres e excluídos da sociedade na capital baiana. Esse fato é importante para demonstrar que estamos em diversas frentes da sociedade. É também um gesto importante de reconhecimento do papel das mulheres no enfrentamento à pobreza num contexto de marginalização das mulheres, que exige de nós novas estratégias de organização, resistências e protagonismos. E assim, seguimos na Assembleia Sinodal.

Texto: Márcia Oliveira/Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva – Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.

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